A USURPAÇÃO DE PODER E USURPAÇÃO DE FUNÇÕES DA ORDEM DOS ARQUITECTOS
A Lei n.º 38/94 de 31 de Novembro alterada pelo artigo 1º da Lei nº.1/2003 de 6 de Janeiro criou o regime da avaliação do ensino superior e a Lei n.º 1/2003 de 6 de Janeiro, por sua vez, aprovou o Regime Jurídico do Desenvolvimento e da Qualidade do Ensino Superior. Nenhuma destas leis aprovadas pela Assembleia da República delegaram ou atribuíram quaisquer poderes às ordens profissionais para a classificação das licenciaturas ministradas em Portugal. Bem pelo contrário, o Decreto-Lei nº 205/98 de 11 de Julho criou a Comissão Nacional de Avaliação do Ensino Superior (CNAVES) que, no seu artigo 3º prevê a integração na sua composição de entidades representativas, nas quais se poderão incluir as ordens profissionais.
A este propósito, o estudo do Prof. Paulo Otero (Cfr. Doc.nº11) concluí expressamente que “as ordens profissionais não podem proceder ao elaborar de listas de cursos acreditados sem lei habilitadora para o efeito.” (Cfr. Ensino Superior e Competitividade Estudos. Editorial do Ministério da Educação. Professor Paulo Otero. Vol.II. Estudos. Agosto 2001. Pág.326. (Cfr. http://www.cnaves.pt/DOCS/Publicacoes/competitividade_vol2.pdf)-. Defende o Prof. Dr. Vital Moreira: “Então, quando alguém vai para Medicina, é para quê? Não é para ser Médico? Então, quando alguém vai para Direito, não é para, entre outras coisas, ser Advogado, Conservador ou Notário? As pessoas vão para um curso para ficarem penduradas? Os cursos são, exactamente, programados para habilitarem as pessoas com o saber necessário a virem exercer uma profissão. (...) É para isso que a Ordem existe, não para garantir que alguém é bom na profissão. Não é para isso que ela existe. Ninguém pode garantir isso, se não ela teria de ser responsabilizada. Nem ela pode punir alguém por ser mau profissional, ela só pode punir alguém porque não observa as regras deontológicas.” Cfr. Vital Moreira. A relação entre os cursos e os processos de acreditação. In Seminário “Avaliação e Acreditação” 30 de Novembro de 2001. Fundação Caloust Gulbenkian. Lisboa. Editorial do Ministério da Educação. 2001. Págs.286 e 287 Ora, na alínea 3 do Anexo V do R.I.A utiliza-se como critério de avaliação, entre outros, a avaliação do “nível de docência, condições de trabalho” ou “grau de aproveitamento escolar”, sendo que, nada disto consta nem do conteúdo dos artigos 3º e 4º da Directiva Comunitária, além de implicar o exercício de competências que não constam na letra, nem no espírito do D.L. 176/98 de 3 de Julho que criou a Ordem dos Arquitectos e muito menos da Lei de Autorização Legislativa nº121/97 de 13 de Novembro com base na qual este decreto-lei veio a ser produzido. A este propósito defende também o Prof. António Duarte de Almeida a quem os licenciados solicitaram um parecer:
Ora uma ordem profissional não tem poderes nem qualificações para avaliar a formação académica nem dos sujeitos nem das instituições. “ Nesta perspectiva, diremos que a Ordem dos Arquitectos é materialmente incompetente para condicionar de forma regulamentar o acesso à profissão, com base em critérios de avaliação que só os órgãos próprios do Ministério da Educação é que estão habilitados a realizar. E no mesmo sentido, novamente, o Prof. Vital Moreira “Como sabemos os cursos, entre nós, ou são criados pelas Universidades públicas, e só precisam de registo no Ministério da Educação, ou são criados por entidades privadas, que carecem de aprovação oficial. Em qualquer dessas instâncias é necessário que as Ordens profissionais tenham uma palavra a dizer. Aí, sim, a montante, preventivamente. O que não tem sentido, é contraditório e, a meu ver, mais do que duvidosa constitucionalidade, é que as Ordens profissionais sejam incumbidas de reavaliar, de revalidar e, portanto, de questionar o valor jurídico estadual dos graus académicos, como formação académica lícita e habilitada para o exercício de determinadas profissões.
No mesmo sentido da usurpação de funções da Ordem dos Arquitectos para proceder à acreditação dos Cursos de Arquitectura, veja-se o Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 22 de Abril de 2004, que decide em caso análogo, segundo o qual “Cabe ao Ministro da Saúde e não ao Conselho Ético e Profissional de Odontologia a competência para a decisão final do processo de acreditação de odontologistas previsto no art. 5.º da Lei n.º 4/99, de 27 de Janeiro” Cfr. Proc. 177/2003 in Site do S.T.A. Convém recordar que as associações públicas profissionais estão sujeitas a um princípio de especialidade pelo que qualquer actividade exercida em exclusivo por si em matéria para a qual ainda para mais, por natureza, não está vocacionada assume uma enorme gravidade em termos de vício formal, material e orgânico. Neste sentido, todos e quaisquer actos administrativos já praticados pela Ordem dos Arquitectos à luz quer do R.I.A, quer do R.A. enfermam de nulidade nos termos do disposto nos artigos- 133º, nº 2, alínea a) do C.P.A., segundo a qual são nulos “Os actos viciados de usurpação de poder;” na medida em que a Ordem dos Arquitectos, quer através do R.I.A., quer através do R.A., estabelece um regime que não tem suporte em qualquer lei que lhe seja hierarquicamente superior, invadindo, desta forma, as atribuições próprias do poder legislativo. Acrescente-se que, para além de tudo aquilo que já supra se referiu relativamente à usurpação de poder e de funções, há ainda a acrescentar uma outra fundamentação relacionada com o uso que a Ordem dos Arquitectos têm vindo a fazer dos próprios exames e provas como instrumento prático de eliminação de candidatos ao exercício da profissão de Arquitecto. O Prof. Paulo Otero sabiamente chama à atenção para essa subtil, porque prática, forma de limitação ao acesso à profissão, ao defender que : “(ii) Por outro lado, sempre que tais exames ou provas forem criados com o intuito de limitar o excesso de licenciados no acesso à respectiva profissão, garantindo uma espécie de feudo ou reserva de mercado de trabalho a favor dos profissionais já existentes, ou ainda com o objectivo de corrigir os efeitos de um excesso de licenciados decorrente de uma política governamental ampliativa do reconhecimento de cursos nessa mesma área do saber, a verdade é que a exigência de tais exames ou provas por parte das ordens profissionais estará ferida de desvio de poder.” (Cfr. Ensino Superior e Competitividade Estudos. Editorial do Ministério da Educação. Professor Paulo Otero. Vol.II. Estudos. Agosto 2001. Pág.330 e 331. (Cfr. http://www.cnaves.pt/DOCS/Publicacoes/competitividade_vol2.pdf) A atribuição de tamanhas competências em matéria de Direitos, Liberdades e Garantias, sobrecarregando os Licenciados com obrigações e impedindo-os de exercer a sua profissão está sujeita ao regime do artigo 18º e 47º da Constituição pelo que não pode resultar de interpretações conjugadas ou técnicas de hermêutica jurídica, mas sim da existência de uma lei que claramente as consagre. Lei essa que no caso da Ordem dos Arquitectos não existe. |