Noticia no Jornal "Semanário" 08-09-2006
João Menezes de Sequeira
Professor da ULHT
"NA SEQUÊNCIA da "carta aberta" de candidatura à Ordem dos Arquitectos pelo Prof. Mário Moutinho, "Razões e posições para uma candidatura à Ordem dos Arquitectos", in SE- MANÁRIO de 21-07-2006, achámos pertinente referir mais alguns aspectos, que reputamos como fundamentais.
A primeira ideia que queremos apoiar é a de que não tem existido, por parte das diversas candidaturas à direcção da Ordem dos Arquitectos, "uma orientação clara sobre o lugar da arquitectura e dos arquitectos na sociedade portuguesa". Acrescentamos que, reciprocamente, não existe uma ideia clara sobre o lugar da Ordem dos Arquitectos na sociedade portuguesa. A segunda ideia que queremos apoiar é a existência de uma pretensão, geralmente miscigenada de promiscuidades, que as diversas direcções da Ordem dos Arquitectos têm perseguido, "de controlar a formação académica dos candidatos à profissão". Papel que dificilmente cabe a uma Ordem "profissional".
Consideramos que as duas ideias se complementam, pois a ausência de uma identidade institucional forte leva à desastrada usurpação de funções e, por arrasto, à omissão de outras funções.
O espírito dos Estatutos da Ordem dos Arquitectos identifica claramente a ideia de que a Ordem é um garante da qualidade e cumprimento dos serviços prestados à sociedade, por parte dos seus membros/associados, tendo estes, naquela, um garante de equidade no acesso à profissão e na defesa das condições que permitem o digno exercício profissional. (Ver os Estatutos da OA, sobretudo Art.º 3.º)
Ora, se observarmos as actuações das diversas direcções da Ordem dos Arquitectos, verificamos que nenhuma respeitou a identidade que justifica a sua própria existência.
No que concerne aos deveres que a Ordem tem para com a sociedade civil, verificamos ser um vector que facilmente tem caído num uso perverso. Alegando a necessidade de garantir a qualidade dos serviços prestados pelos seus membros, as sucessivas difecções têm deslocado o grave problema das condições em que se exerce a nossa profissão, para os requisitos académicos que os pretendentes a membros devem contemplar. O raciocínio é derrotista e relativamente simples. Dado que enfrentar os problemas profissionais é uma luta complexa que implica grandes esforços e sem garantias de sucesso.
Parece mais fácil atacar as instituições académicas e fazer passar uma imagem de exigência profissional que, na verdade, se fica pela "jóia da inscrição". Foi assim que apareceram as acreditações dos Cursos Universitários, apadrinhadas pela "autoridade" de uma versão "à portuguesa" do "competente" sistema inglês do RI- BA (Royal Institute of British Architects). Nesse sentido, a acreditação de um determinado curso de arquitectura permite "dispensar" os discentes desse curso, de Prova de Admissão à Ordem dos Arquitectos. Deste modo, a Ordem coloca-se numa posição de avaliação académica, acima do reconhecimento do curso pelo Ministério da Educação.
Perante este esbatimento (blur) dos contornos de identidade, foi surgindo a interrogação: que competências tem uma Ordem Profissional para avaliar currículos e condições pedagógicas de cursos universitários? E a resposta parece ter sido aquela que deu, recentemente, o ministro da Educação, "nenhuma!".
Este facto - a necessidade de intervenção do ministro - é lamentável, sobretudo se atendermos a que estes problemas já haviam sido denunciados por diversas vezes. Mas, não bastando esta "desacreditação" da Ordem dos Arquitectos, assistimos a uma inacção compulsiva no que toca aos efectivos problemas que afectam a profissão.
O descalabro profissional vem de longa data e já tivemos ocasião de referir, há seis anos atrás, vários dos problemas que a nossa profissão apresenta: os expedientes (ditos excepcionais) que a encomenda pública encontra para adjudicar directamente projectos e escapar aos concursos públicos; os parâmetros de avaliação dos próprios concursos públicos, com base nos honorários e na "capacidade financeira"; os duvidosos e degradantes fins daquilo a que se convencionou chamar, Concurso de Ideias; a corrupção, activa e passiva, que grassa nas promíscuas relações entre projectistas, fornecedores, produtores de materiais e construtores civis; a completa e perversa anarquia, no que concerne às estimativas de custo das obras projectadas (como se verifica pelas derrapagens de custos, quer nos Contratos Públicos, quer Privados ) e aos honorários que sobre elas se elaboram; a elaboração de legislação sobre a construção e sobre os contratos da encomenda, pública e privada, à completa revelia da Ordem, como é o caso do recente Código dos Contratos Públicos elaborado pelo Governo, no qual apenas se pede um parecer, após aquele já estar elaborado; a promiscuidade entre a concepção e a construção, com a consequente subalternização da primeira; os graves problemas de deontologia, que afectam os próprios colegas; etc. A lista não pretende ser exaustiva, a enumeração dos problemas profissionais é enorme, pois, na verdade, nenhum problema foi, até à data, enfrentado e, muito menos, resolvido.
São esses os problemas que a Ordem dos Arquitectos tem competência para resolver, são esses os problemas em que a Ordem tem de se envolver, para poder cumprir as obrigações inerentes às suas atribuições estatutárias.
Segundo nos parece, pelo menos quatro medidas deveriam ser tomadas a curto prazo:
a) Criar tabelas de honorários, para cada tipo de encomenda. Trata-se de uma regulamentação dos honorários do trabalho qualificado, que acabe, de vez, com o caduco cálculo dos honorários, com base nas estimativas de custo da obra.
b) Criar um sistema de formação profissional contínua, gratuita aos membros, realizado pela Ordem, em parceria com as Universidades e com as empresas de serviços afins à problemática tratada, onde sejam leccionados cursos de actualização regulamentar, de uso de materiais e tecnologias recentes e específicas. Cursos ligados à sensibilização e resolução de problemas de acústica, de térmica, de luminosidade, de segurança, de energias, etc.
c) Criar um novo sistema de admissão à Ordem, baseado na ideia de profissionalização, com a duração máxima de 1 ano, dividido em dois semestres. No primeiro semestre, os candidatos à Ordem devem submeter-se a uma formação sobre deontologia profissional e sobre regulamentação nacional, que esteja directamente ligada à prática arquitectónica. No segundo semestre e após a aprovação da primeira fase, os candidatos seriam submetidos a um estágio profissional, num atelier/gabinete de acolhimento ou numa instituição de ensino superior,
d) Criar um novo sistema de Colégios de Especialidades, acabando com essa confusão disciplinar que pauta a actual criação de Colégios na Ordem. A ideia de Colégios só faz sentido como espaço para as especialidades da Arquitectura em si, caracterizados por uma diferenciação tecnico-profissional (como aliás o são todos os colégios integrados nas ordens). Podemos considerar a possibilidade de existência de Colégios de Especialidade em: Desenho Urbano; Tecnologias e Materiais de Construção; Gestão de Obra e Fiscalização; Reabilitação de Edifícios e Monumentos; Qualidade Térmica de Edifícios, etc. Os Colégios teriam três funções específicas: a de congregar o conjunto de especialistas e ser um órgão técnico consultivo; como veículo de investigação - associado às empresas, laboratórios, fundações, universidades, etc; e como veículo de aproximação aos respectivos sectores e organizações externas à Ordem.
Pensamos que existe uma reciprocidade inata e simbólica entre a qualidade do espaço que habitamos, os comportamentos humanos que lhe dão vida e os aspectos cognitivos do pensamento colectivo e individual. O produto final da arquitectura é a qualidade do espaço habitacional, seja ele na casa ou na rua, é a qualidade de vida, a segurança familiar, a saúde física e mental, a qualidade do ambiente, a sustentabilidade, a poupança energética, o conforto, etc.
Acreditamos que a evolução e desenvolvimento do nosso país passa pela maior exigência de qualidade arquitectónica e urbana, por parte do cidadão e das instituições profissionais representativas. "
_____________________________________________ Parece que ainda ninguem está preocupado com as possiveis indemnizações que a Ordem dos Arquitectos corre o risco de ter de pagar aos licenciados que forão e continuam a ser discriminados.
Indemnizações essas que serão pagas por todos os arquitectos ...
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